terça-feira, 4 de agosto de 2020

Quase sempre o que as pessoas querem é satisfazer sua insegurança e disfarçar ou se distrair com relação às questões importantes e complexas, aquelas as quais uma pessoa que busca um discernimento mais acurado se ocupa - não há imposição aqui, apenas uma reflexão, que se perceba isso antes de tudo, cada um faz aquilo a que é chamado, afinal o forçar dificilmente gerará verdadeiro discernimento. Poderia falar sobre várias temáticas as quais essa problemática se aplica. O que se vê mais atualmente - contra a grotesca situação na qual nos encontramos - é pessoas se apegando com todas as forças àquele velho jargão utilizado para vender shampoo e tinta de parede, inclusive: "não é provado cientificamente". Óbvio que em situações de natureza prática não estar provado cientificamente aí é que não nos dá segurança de nada, a questão não é essa, sejamos minimamente sensatos! Volto ao ponto principal: quando apenas escolhemos um lado entre essas coisas (científico ou não científico, por exemplo) nos distanciamos do que é mais importante, a problemática em sua apresentação factual, por assim dizer. Ao ler um pouco sobre a história da ciência, se vê que este sistema de conhecimento está bem longe de ser uma oposição, com linha de demarcação bem definida, com relação àquilo que se convencionou chamar de pseudociências, por exemplo (há outras terminologias que tentam caracterizar ou muitas vezes desqualificar pura e simplesmente o complexo e vivo manancial composto pelos diversos conhecimentos surgidos na caminhada humana). Quando Nietzsche bradou, a seu modo característico, que não há fatos e sim interpretações, ele estava dando uma forte martelada nessa crença injustificada de que podemos dizer com segurança o que é o conhecimento e as maneiras como ele se apresenta! Na esteira deste entendimento, Michel Foucault coloca que não é porque definimos e caracterizados coisas, áreas, situações e procedimentos, que resolvemos ou evidenciamos os procedimentos e práticas discursivas envolvidas na existência e manifestação destas. Bulir com isso não é algo simples, porque aí está a base da edificação da noção de sujeito, por exemplo - embora muita gente que se aventurou a pensar sobre essas coisas tenha nos advertido no século passado e em muitas outras épocas, que o que salva é a aproximação. A questão é que ainda ou quase sempre pensamos, em muitas das questões as quais enfrentamos, em termos da lógica aristotélica do terceiro excluído, segundo a qual, uma coisa inevitavelmente é OU não é. Mas acontece que tem muitas situações em que esse modelo não dá conta. Ocorrem situações e fenômenos em que o modelo que melhor se aplica é aquele que sinaliza para o ser E não ser - a física pós-moderna (como eu venho chamando em alguns escritos mais recentes a física dos últimos 140 anos -- pois se a física dos séculos XV a XVII é conhecida como moderna, então tenho usado aquele termo para esta outra [muito embora o termo não dê conta da sua complexidade, assim como não dá conta, a meu ver, quando utilizado para designar temáticas da arte, da filosofia e da sociologia, mas não me deterei sobre isso aqui]) -- tem posto isso muito em evidência. Acerca disso tudo uma questão possível e muito provável de surgir é: então não se tem como escolher, já que tanto faz ser como não ser, não há como ter distinção, isso é um puro niilismo. Ao pensar acerca de uma saída para isso, lembro sempre de uma frase de um caboclo de andada por entre pontes, rios e overdrives e de um quadro pintado na renascença italiana que mostra uma academia antiga. Em um primeiro momento, ser e não ser nos remete a confusão, mas se voltamos a aplicar o mesmo princípio à situação a coisa muda de figura. Ou seja, é ser e não ser porque é ser e não ser (não entenda como imposição, leia com tranquilidade e paciência, quase como um mantra), e então um vasto caminho de possibilidades se abre. Com relação a isso entendiam muito bem pessoas que viveram entre os séculos 13 e 16, depois esse entendimento ficou meio adormecido, mas voltou no século vinte. Para encerrar esse parágrafo, acerca dessa relação entre ciência e outras temáticas, indico a leitura do livro "Gênese e desenvolvimento de um fato científico", escrito pelo médico (mas a obra trata de sociologia da ciência) Ludwik Fleck, em 1935, como também os livros de Paul Feyeravend, escritos algumas décadas a frente. Como problematizações, por assim dizer, Fleck expõe que não é negando informações e procedimentos que avançamos; para Feyerabend, o relativismo é um passo na direção de tradições vivas e cada cultura é potencialmente todas as culturas.

Adaécio Lopes - 04/08/2020

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