Não abandone suas
questões. Um dia chegará a uma conclusão, por mais que demore dias, anos, ou
até mais de uma década.
É bastante conhecida a
citação de Isaac Newton (1643 - 1727) em resposta ao questionamento de alguém
sobre como tinha feito para chegar a suas diversas teorias: “pensando sempre nelas!”. Pois é esse é o
ponto, não conseguimos resolver nossas questões por outro meio. Albert Einstein
(1879 - 1955) – que quase sempre é tido como aquele que destruiu a teoria
newtoniana, mas que, como demonstro para os alunos, mantém muitas semelhanças
com aquele inglês nas suas colocações, já que suas teorias também são uma
mescla de simbologia, matemática e busca pessoal – dizia que o instante do
entendimento é o momento em que a luz acende, é quando passamos a ver a
realidade, uma situação ou um fenômeno de forma absurdamente diferente daquilo
que tínhamos considerado até então.
Esse processo me faz lembrar
a metodologia psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud (1856 - 1939) e
muitos outros colaboradores. Em linhas gerais, a análise, como é mais coloquialmente tratada, é uma técnica em que o
indivíduo é levado a se confrontar com sua questão por um processo narrativo
exaustivo, até que num belo dia, ou talvez em um dia não tão belo assim, ele
percebe onde está o furo do discurso, ou melhor, onde está o alicerce da parte
podre que insistentemente o fazia andar em círculos sem nada resolver, sem que nenhuma
decisão realmente determinante fosse tomada.
Quando entendemos é
quando abandonamos as intermitências da morte em que nos encontramos e saltamos
para um outro universo, colorido de vida. E por que falar de morte nesse caso,
diria o interlocutor? Porque entender pressupõe mudar, deixar para traz um
mundo e se aventurar por outro, que tem outros contornos e outras
configurações. E esse inevitavelmente é um processo de morte! Mas quase sempre,
quando o indivíduo entende, não tem nenhuma dúvida do caminho a tomar,
justamente porque fica maravilhado, transfigurado pela nova descoberta. Tal
descoberta é ele, parido de novo. É uma nova chance, é como se passasse de fase
em um game.
A mudança nos coloca no
contexto de morte e vida! Não por acaso – já que nada realmente é por acaso, “Deus não joga dados”, para mais uma vez
citar Einstein – estou agora escutando o disco Transfiguração da banda já extinta Cordel do Fogo Encantado, que tinha à frente José Paes de Lira (1976
- ?), mais conhecido como Lirinha, ou
Lira, nome que passou a adotar
recentemente quando do lançamento do seu primeiro álbum solo homônimo.
Lira parte do universo
sertanejo, da poesia de Patativa e de João Cabral e desemboca na arte de Stanley
Kubric (1928 - 1999) - uma de suas muitas influências, a qual se pode juntar
Friedrich Nietzsche, Ítalo Calvino etc.. A oscilação vida/morte é notoriamente
a temática central dos últimos trabalhos deste pernambucano. Assim como João
Cabral (1920 - 1999), Nietzsche (1844 - 1900) e Kubric, Lira passa a conceber
pela via da vivência – talvez a única via realmente eficiente e eficaz – que vida
e morte estão em um bate-bola infinito, como Raul Seixas também já tinha nos
indicado, bebendo nas mesmas fontes e/ou semelhantes.
Mas, em minha opinião,
a questão central está justamente um passo adiante. Para sairmos desse universo
angustiante da constatação cíclica da existência, temos que entender esse
mecanismo e saltar para fora dele, só assim conseguiremos vislumbrar as novas
brumas de outros tempos e mundos. Quando morremos, não deixamos de carregar
nosso mais recente fantasma, mas podemos justamente passar a entender que é
apenas um fantasma, como muitos outros que nos cercam, vencidos em outras batalhas,
mas que talvez por serem advindos da “infância” nem os percebemos mais como
fantasmas, mas apenas como becos tomados, por onde as crianças não podem
transitar... Se não os consideramos assim é porque ainda não são fantasmas, a
batalha ainda precisa acontecer! Mas o pior de todos são os fantasmas com os
quais temos de estarmos sempre em batalha, esses também fazem parte de nossa
psique e quando chegamos a tal conclusão é justamente quando entendemos.
Notoriamente, fantasmas, nesse contexto, não são espectros de pessoas, mas
redes psíquicas, mapas com os quais nos acostumamos a navegar, obviamente,
sempre pelos mesmos mares.