quinta-feira, 19 de julho de 2012

A ilusória mácula do erro


As nossas limitações são sem dúvida aquilo que nos separa dos deuses, mas nós como metidos que somos teimamos em tentar roubar o fogo sagrado e sermos divindades. Ledo engano velho macaco tortuoso. Essa tentativa é justamente aquilo que nos faz ser tão infelizes. Se entendêssemos que isso jamais será possível, e nos resignássemos à nossa dose de sofrimento diária, não seríamos infelizes, justamente porque não teríamos a expectativa de nos libertarmos e viveríamos o instante tal qual nos se apresenta. Mas não! Temos que ficarmos procurando infinitamente pelos em casca de ovo, andando em círculos planos, como se isso fosse nos ascender à verticalidade dos céus.

Porque o segredo da coisa é justamente o fato de que os erros não existem. Justamente porque não há o passado, apenas o presente. O passado é a escuridão, a caverna, a mente, o blá blá blá, como me dizia um grande amigo em tempos importantes de minha travessia. O presente é a luz, o divino, o esplendor, o salto, é quando estamos fora do tempo, porque é a verdade.

Como muitas expressões, palavras e conhecimentos antigos, a palavra erro vem da relação do homem com o céu. Os astros errantes ou planetas seriam aqueles que não seguiam os demais corpos celestes, no caso as estrelas, que formam as constelações do Zodíaco e as demais - muito estudadas por aqueles tempos, sendo a Astrologia uma das ciências maiores. Portanto, errar, errante, significa ser diferente, mudar. O que nos traz como tentação o número 2, a dualidade: passado/presente, bem/mau, certo/errado, vida/morte. Mas o que é mais irônico nisso tudo, é que embora esses corpos celestes efetuem movimentos diferenciados, eles também voltam sempre á posição de onde saíram, ou seja, também completam um ciclo, assim como a esfera das estrelas, embora pareçam seguir o som de um outro tambor, para parafrasear Thoreau.

Mas, a religião cristã usa a mácula do erro como forma de subjugar e imprimir um sofrimento externo ao ser humano. É como se lhe fosse dito: você deveria ser um Deus, mas você não o é por culpa sua – que é justamente a idéia de Queda, tão cara ao pensamento judaico-cristão. Isso é obra da corrente mais conservadora da Igreja Medieval, já que existia também a corrente da teologia negativa – justamente porque negava a possibilidade de nos irmanarmos totalmente com Deus.

Mas vale lembrar que na essência do pensamento e da figura do Cristo, está clara a mensagem de que sempre poderemos nos libertar do nosso vale de lágrima, através da ressurreição dos mortos. Afinal o Cristo não quis doutrinar a humanidade, mas libertá-la através do amor, que é o entendimento supremo e o eterno bem. Quando diz “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” ou “pegue sua cruz e me siga”, Jesus não estava recrutando um exército de adoradores, mas chamando aqueles que quisessem se libertar do jugo da mente, andar sobre as turbulências representadas pelas suas águas. Afinal foi o mesmo Cristo quem disse: “não vim trazer-lhe a paz, mas a espada”.

Essa é uma concepção muito semelhante àquela presente nas diversas tradições orientais. Afinal naquele tempo tudo estava ligado. Uma concepção muito cara à tradição do oriente é a idéia de Karma, que para muitos é apenas a nossa pedra no sapato, aquilo do qual não podemos nos livrar, nossa sina! Mas na verdade o Karma é justamente aquele entrave a ser vencido por cada um de nós. Para lembrar de Patativa do Assaré, é aquele espinho que sentimos nos cutucar durante toda a nossa existência. Logo o Karma não é apenas algo negativo, mas a possibilidade de algo extremamente positivo, que é a nossa libertação e aprimoramento. Portanto, ligando com a mensagem do Cristo, ele não veio para morrer por nós, mas para mostrar que todos devemos morrer, simbolicamente, vencermos a pedra que nos impede de caminhar por pastos verdejantes.

E a idéia de Karma também tem a ver com essa coisa do passado, de coisas que não foram resolvidas e que reverberam no presente. Então, vencer o nosso Karma é também vencer o nosso passado, o nosso medo, não deixando que o passado salte para o presente como uma alma penada. Na verdade é destruir a ideia de que existe passado e presente. E a linha divisória entre passado e presente é a idéia de erro. Porque erro remete a desequilíbrio, ao que foi e não será ou não deixará de ser (agindo como um vulto), ou ao que será de novo (como um fantasma a nos aterrorizar). Mas, o que há é um contínuo, do qual o que importa é o presente. O passado é apenas um nível de realidade do qual não nos desapegamos para vivermos o que realmente importa. É o Karma que não vencemos e que se não vencermos voltará, pois é cíclico, e do qual não fugiremos jamais.

E retomando, como diria outro grande amigo, como uma forma de conduzir aquele bando de caranguejos que seguiam ouvindo a música dos trovões: a única coisa que importa é o verdadeiro amor!


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Materialização e mercantilização do mundo natural: estratégia política para o cerceamento das liberdades poético-existenciais do humano



A Álvaro Lopes da Silva (meu pai)


Essa é a imagem! É isso que o poder chama de desenvolvimento sustentável! Desde já deixo claro que não vou me posicionar sobre o fato de se existe ou não Aquecimento Global, não tenho espaço nem quero, agora, partilhar dessa questão. O que eu sei é que gosto de verde e gostaria que os filhos e netos de meus amigos também tivessem a oportunidade, como eu tive, de viver no verde, entre o mato, sentindo as folhas, as flores e o cheiro da relva e não de esgoto!

A verdade é que a política vigente não está nem um pouco interessada nessa questão maior. A propósito, vejo agora que o Senador Demóstenes Torres foi cassado. Que bom! Mas fico pensando em quantos Demóstenes existem naquele Senado, na Câmara de Deputados, nas Assembléias Legislativas, Prefeituras e Câmaras de Vereadores espalhadas por esse Brasil! A lógica é a seguinte: sacrifica-se um para manter o esquema! Exemplo perfeito da sociedade do simulacro em que vivemos.

Talvez o pior de tudo seja que, nesse sistema que tem como deus o Capital, a restrição e a escassez é justamente o mecanismo propulsor da engrenagem. Eis a oportunidade de comercializar, gerar lucro, exclusão e aprofundar a desigualdade entre os humanos. Isso porque o capitalismo, vale lembrar, é baseado na linearidade, é um sistema fechado, só existe pela miséria, usofruto de poucos e negação de direitos a muitos.

É impressionante que quando pensadores do século XIX, como Pierre-Joseph Proudhon (1809 - 1865) disseram isso, Karl Marx os chamou de utópicos, usando de meios escusos, como a difamação e outras práticas condenáveis para destruí-los moral e intelectualmente (isso não é uma suposição, o amigo Vantie Clínio defendeu tese de doutorado recentemente tratando da relação de Marx com Stirner, Feuerbach, Bakunin, Proudhon e etc., por exemplo). O socialismo não deu certo por ser justamente o capitalismo de ponta a cabeça. É montado sobre o mesmo esqueleto. E Marx ainda pousa como o maior oposicionista do Capitalismo, quando na verdade criou as condições para que continuasse, ao marcar as fronteiras da crítica.

As análises econômicas de Marx são relevantes – diga-se de passagem, muita coisa foi copiada de economistas que o antecederam, como David Ricardo, por exemplo – mas a sua alternativa política ao capitalismo foi um tiro no pé. Parafraseando Nietzsche (quando tratava de outro pensador): saiu e entrou de volta para ratoeira!

Talvez muitos digam, mas o que há fora do capitalismo de tão bom assim, pois o Comunismo, ou Socialismo, nós vimos no que deu. Aquilo que conhecemos e aprendemos na escola, como sendo o Feudalismo, também era algo fechado, sombrio, sem mobilidade social, baseado na servidão. E ai?

Essa é uma questão interessante. Tenho lido muita coisa por estes tempos, que direta ou indiretamente tem relação com essa questão, inclusive alguns escritos mais poéticos de Foucault (em As palavras e as coisas) e a defesa que Nietsche faz da Aristocracia (em Para além do bem e do mal). E, embora não tenha uma tese formada, nem queira me aprofundar nisso agora, entendo que aqueles tempos que a modernidade alcunhou de “antigos” possui muito mais significados do que pensa nossa vã economia (sim, porque a filosofia anda devagar por estes nossos tempos...).

Pelo simples fato de que os sonhos, os devaneios, o simbólico, não podem ser comercializados, transformados em concreto (os antigos gregos sabiam disso, afinal os átomos formavam tudo, para Epicuro, Leucipo e Demócrito, inclusive as almas – com modernidade a coisa mudou: não é que os átomos formam tudo, mas a matéria é formada de átomos. Percebem a absurda diferença de enfoque?), entendo que a monetarização e materialização do mundo que se seguiu ao domínio monopolizante, institucional e político, dos segredos da existência, feito pela Igreja, nos fez ver o estágio pré-mercantilista e pré-industrial, como o nada! Fazer a volta é necessário, e está acontecendo, principalmente, na mente daqueles que se decidem por tentar despertar na Matrix.

Lembro das lendas celtas como aquelas retratadas em Senhor dos Anéis. Naquela cultura o respeito para com as plantas é notório, afinal entendem que elas são a base de tudo! Uma prova disso é que entre os Arcanos Maiores do Tarô Celta figura o Carvalho (a Árvore Sagrada) – sendo o Tarô, como dizia o filósofo Giordano Bruno (1548 - 1600), uma forma de construir conhecimento, e não apenas uma crendice ou superstição. Não me canso de lembrar-me do que disse um dia o filósofo Wittgenstein: sobre o que não sabemos devemos nos calar!

Continuo concordando com Milton Santos quando ele diz que as revoluções – se é que ainda se pode falar nestes termos - virão de baixo, das microcomunidades ou tribos (para colocar o sociólogo Michel Maffesoli na conversa). No tocante às questões ambientais, virá com aqueles que de uma forma ou de outra gostam do verde, seja por ter vivido já a experiência de se embrenhar pelo mato escutando a cigarra, a passarada e a canção do mundo, ou se emocionado com os relatos feitos por Henry David Thoreau (1817 – 1862) sobre a vida nos bosques, ou por qualquer outra motivação.

Nesse sentido, estou falando de algo diferente do que se convencionou chamar de Nova Esquerda, ligada às questões ecológicas e ambientais, que segundo Caputo, teria sido alimentada pela filosofia do Heidegger “tardio” - que tentou uma retomada do poético e pensou a questão da técnica. Acho tudo isso muito positivo. Mas o meu chamado é existencial, para além do político! Meu manifesto é um grito para que voltemos à cabana, assim como fazia Brouwer nos seus momentos mais sombrios. Que agarremos nossa viola e peguemos a trilha seguindo o chamado...

“Corre lobo pra dentro da mata, tua paz é teu suor...” (Lira).