sábado, 9 de julho de 2011

Materialismo e culto à personalidade: questões a discutir

Mas aquela profecia, irritante como um mosquito, ficava ecoando na sua mente, até que Saturno, por fim, reconheceu-se também meio soturno:
- Será que uma vitória, nesse mundo, não pode ser nunca completa?
As 100 melhores histórias da mitologia

Aqui estou eu com meu banzo de fim de tarde e sem ninguém para conversar. Resolvo por isso me conectar a rede mundial de computadores, “entrar na internet”. Passando pelos blogs da nossa cidade Olho D’água (que nome lindo este da nossa cidade, pura poesia, realmente somos privilegiados) tomo contato com as discussões acerca das obras em curso no município, informações postadas inicialmente pelo meu amigo Hugo Freitas.
Eu pessoalmente acho que esta administração tem realizado muitas obras no nosso município. Isto é fato. E não posso negar também que serão úteis para a população. O ponto no qual quero me reportar não é este. Nem tampouco as questões que colocarei se dirigem a pessoas em específico, mas discorrem sobre mentalidades que permeiam a convivência social e humana neste início de século e desde muito tempo. Que se tenha isto muito claro. Se me reportar a alguém e até citar nomes será porque estes desenvolvem suas atividades sendo tributários destas mentalidades, não porque são os únicos ou os piores, como se fossem os demônios a ser excomungados, extirpados por nós os santinhos. Esse tipo de mentalidade é tão perigosa quanto a qual tecerei algumas críticas a seguir.
Por que somos tão fascinados por prédios, concreto, objetos e cacarecos os mais diversos, a ponto dessas coisas muitas vezes nem mesmo servirem para uso, ou significar mais pelo fetiche que desempenham do que pela suas reais utilidades a nossas necessidades? Isso se deve, pelo que podemos entender mediante os mais diversos estudos feitos por muitos outros humanos, ao nosso apego a tudo aquilo que é material. O materialismo, e principalmente a posse e a sociedade privada foram os grandes nortes do empreendimento da secularização moderna da qual somos produto. O simbólico, o poético, passou a ser coisa de quem não tem o que fazer ou é meio “ruim das ideias”.
Para os defensores do materialismo, mesmo que o faça de forma quase inconsciente, o que importa é ter cada vez mais, é construir cada vez mais, pois a única coisa que vale e que é importante é aquilo que eu posso pegar e possuir, dizer que é meu e de mais ninguém. Instaura-se assim uma mentalidade tacanha que quer sempre mais e mais, é o endeusamento da matéria, tido como resolução para as nossas agonias mais recônditas - deixadas de lado, colocadas debaixo do tapete, e que a toda hora mostram sua face mais macabra e devastadora, pois nós não conseguimos nos livrar de nós mesmos, por mais que tentemos. Temos que enfrentar os nossos demônios a cada instante é isso que o texto bíblico nos mostra, muitas vezes, de forma alegórica.
Logo, meus amigos, a questão não é se se construiu pouco ou se se construiu muito e etc.. O fato é que isto não é o mais importante, justamente no momento atual que vive o mundo. O que as pessoas estão necessitando é de sentido para suas vidas, desse componente simbólico, mítico, poético, ligado ao sonho, tribal, de união, que deixamos lá atrás. Precisamos investir no humano que nos constitui e não na matéria.
Nesse instante estou assistindo a homenagem que a Assembléia Legislativa do RN está prestando aos 50 anos da campanha “De pé no chão também se aprende a ler” idealizada aqui no estado e que contou com a participação decisiva do educador brasileiro Paulo Freire. Imagine se Djalma Maranhão o gestor na época tivesse preferido construir prédios bonitos e modernos para poder pensar no projeto? Tinha saído? Jamais. O sucesso do movimento se deu justamente à iniciativa popular. Humildemente os coordenadores do movimento foram aprender com os descendentes de indígenas e com pescadores como fariam para construir de forma barata galpões grandes e seguros para se ministrar as aulas. E esses povos ensinaram a eles como fazer as palhoças, como dobrar a palha para cobrir e etc.. Isso sim é cidadania, pois o cidadão é parte do processo. Essas práticas comunitárias são criadoras de pluralismo e não de egoísmo, este nefasto sentimento que se manifesta inevitavelmente quando está presente a posse e o materialismo. Precisamos de educação e de práticas que contemplem a pluralidade.
Um exemplo de egoísmo nós presenciamos no São João deste ano em Olho D’água, situação protagonizada pelo músico e compositor Dorgival Dantas. Para a grande maioria dos que estavam lá, a conclusão foi uma só (pelo menos para aqueles com os quais conversei, e que não foram poucos) sobre a fala do artista (parecia querer dizer): não importa o que tenha acontecido, não importa o que eu faça, vocês têm que me reverenciar, pois eu sou Dorgival, eu estou acima do bem e do mal. Eu sou um astro, e vocês o que são?
Diga-se de passagem, não é a primeira vez que este sanfoneiro que tem origens em Olho D’água demonstra sua faceta prepotente e arrogante: lembram de quando ele pediu uma reunião na Câmara Municipal para dizer que ele era a única solução para a cidade? Pois é. Ninguém questiona que ele galgou os degraus do sucesso. Mas meu caro Dorgival, nós não precisamos de herói, nós não acreditamos mais em herói. A cada instante está mais claro para as comunidades humanas – e daí as revoltas no mundo todo, contra os sistemas políticos e etc. – que o bem e o justo não são as únicas coisas de que os humanos são parte. Esse entendimento parece brotar do inconsciente coletivo das massas, contra governantes e demais representações, segundo alguns estudiosos.
Como também não agrada mais tanto essa noção de amor da qual você julga ser um representante e que declara tanto por nossa cidade – que, aliás, não tem a credibilidade que eu acho que pensa, basta perguntar aos habitantes. A noção de amor para muitos mudou. Se amo uma pessoa, por exemplo, não é porque acredite que ela me tem como seu motivo incondicional para existir, mas porque vejo que tem condições de enfrentar comigo as batalhas – sem perder a ternura jamais, é claro - tanto externas como internas, porque entendo neste instante, que é a pessoa certa para enfrentar ao meu lado, e vice-versa, a fatalidade que é a vida. O amor hoje é entendido mais como um processo, como vivência, do que como uma quimera, uma peça retórica de discurso.
Portanto meus amigos, o que precisamos de fato não é de materialismo e de culto à personalidade, mas de atenção. Tenhamos atenção, sejamos vigilantes, pois a humanidade parece sofrer de uma carência de atenção. As manifestações estão por toda parte justamente porque os representantes da sociedade seja no plano político, social, artístico e etc., não estão conectados, em ressonância, com o apelo das massas, e em contrapartida o povo passa a desconsiderar, com razão, tais representações. É nesse sentido que, à pergunta da epígrafe do inicio deste texto, feita pela figura mitológica Saturno, diria: não, felizmente a vitória nunca é completa! Sempre haverá algo a ser dito. Por isso gosto muito da colocação do pensador francês Michel Foucault:

"O discurso não é a vida: seu tempo não é o de vocês; nele, vocês não se reconciliarão com a morte; é possível que vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo que disseram; mas não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá mais que ele."

Sintam-se abraçados.
Adaécio Lopes

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