quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

“OS HOMENS DE BEM AMAM, OU PELO MENOS NÃO ADULAM”

Estive esses dias na comunidade Cardosos, adjacência do município de Olho D’água do Borges, RN, minha cidade natal, por ocasião de uma cantoria de violas realizada pela associação comunitária daquela localidade.
Cresci escutando meu pai falar: “cantador de viola pequeno só canta bajulação”. Não entrarei no mérito dos dotes artísticos dos cantadores, mas pude mais uma vez comprovar o que meu velho pai costuma falar. A bajulação corria solta. Nesse momento decidi colocar um mote para que cantassem – embora já desconfiasse que não o cantariam:


Eles querem mandar e controlar
O destino e a tal felicidade


Como antevisto, não cantaram este mote. Concordo com o grande repentista Ivanildo Vilanova, tal posição bajulatória vai no contrafluxo da profissionalização e respeito à figura do cantador. É um tiro no pé. Mas a covardia é parte do ser humano. Como forma de comprovar que o tema poderia ser cantado, fiz a seguinte estrofe a caminho de casa:

Com a política jamais nós chegaremos
A trilhar as veredas da verdade
Pois seu tema de interesse é o poder
Pincelando pitadas de maldade
Comprando com seu dinheiro sujo
Humilhando, matando a hombridade
Eles querem mandar e controlar
O destino e a tal felicidade.


Essa situação me fez pensar mais uma vez sobre certas questões relacionadas à convivência, que não são de agora, mas de longa data na vivência dos humanos. Uma grande coincidência foi o fato de o amigo Hugo Freitas ter me dado como presente esses dias o livro A Política do pensador grego Aristóteles (384 – 322 a.C.). O que inclusive é parte de outra coincidência, pois recentemente comecei a dar uma olhada na obra deste filósofo, em especial na sua Física.

É no livro A política que ele coloca que a democracia pode gerar a pior de todas as tiranias: a consentida. Ao estudar muitos dos sistemas de governo daqueles tempos, Aristóteles conclui que “a tirania ama os maus, já que ama a lisonja, vício à qual jamais se abaixa o homem que tenha um coração livre. Os homens de bem amam, ou pelo menos não adulam”. Em outro ponto do livro ele vai tratar da relação da política com a lei, e sobre questões relacionadas á Lei Divina e a lei dos homens:

“querer que a lei [divina] mande é querer que Deus e a razão mandem sós; mas dar a superioridade ao homem é dá-la ao mesmo tempo ao homem e á fera. O desejo tem qualquer coisa de bestial. A paixão corrompe os magistrados e os melhores homens. A inteligência sem paixão, tal é a lei”.

Por mais que já se tenha passado muito tempo essa é uma questão fundamental quando se discute política. Vivemos o tempo do homem pelo homem, e como coloca com bastante propriedade o pensador Tage Lindbom em O mito da democracia, este sistema de governo não consegue se livrar da noção de poder, embora tente a todo custo convencer de que o faz - só assim pode empreender seus conchavos e maracutaias de forma livre e desimpedida (se perguntados sobre suas ações, respondem: “nós já vencemos o mal, somos a democracia, somos o bem e cuidamos do bem de todos”). E como a democracia não canaliza a noção de poder para a verticalidade, pulveriza-o entre os homens, gerando o egoísmo e todos os males que conhecemos, como a guerra de todos contra todos. Segundo Lindbom, Jean Jacques Rousseau teria tentado resolver isso através do volátil conceito de Vontade Geral presente em O Contrato Social, sem obter êxito.

Em contrapartida, a história nos mostra que os impérios religiosos também tiveram seus problemas. E aí, cara pálida? Como sair deste impasse?

Então, como chegarmos a tal inteligência sem paixão mencionada por Aristóteles?

Seria a saída, por exemplo, as microcomunidades, o nomandismo e o tribalismo pós-moderno de que fala o sociólogo francês Michel Maffesoli, onde os sincretismos de todos os tipos conviveriam em harmonia, regidos pelas leis do instante, podendo inclusive brotar daí uma genuína relação com o sagrado, sem o peso secular das instituições já conhecidas, mesmo que muitas vezes baseadas nas suas metáforas e narrativas míticas?

O fato é que, não podemos fazer a Terra parar para decidirmos essas coisas, como cantou um dia o visionário Raul Seixas. Conquanto, ao que parece esse reinado do homem não tem sustentação. Como pode um homem acreditar totalmente em outro homem, considerando-o sua imagem e semelhança, principalmente, no que toca à conduta?

Neste instante, lembro das colocações feitas por Aristóteles em A Poética, onde ele declara que a poesia não deve se restringir a imitar, descrever e quantificar a realidade, mas deve justamente ir em busca de algo que não nos pertence, sinalizando para o reino do possível, das infindáveis possibilidades. Esse entendimento vale também no que toca à política, ou melhor, ao convívio social.

E, diga-se de passagem, o social não nos libertará, ele é apenas um estágio necessário ao convívio. Aquilo foi o pensamento de uma certa revolução sobre a qual estudamos nos livros de história. Os encontros e relações sociais, em um contexto de superação daquele entendimento trazido pelo Iluminismo, seriam encontros apenas, entre pessoas que buscam a verdade, em um sentido interior, pessoal. Talvez fosse isso que Rousseau – considerado, pela história, um teórico da Revolução Francesa - queria fazer entender, algo semelhante ao que aquele filósofo grego chamou de inteligência sem paixão, mas é quase impossível tratar de uma coisa, seja ela qual for, quando a galera quer entender outra (disso entendia muito bem o velho Platão, “a mais linda planta da Antiguidade”, segundo Nietzsche).

Nenhum comentário:

Postar um comentário