Ontem foi com desprazer, tristeza e indignação que, já a altas horas da noite, tive acesso à notícia da infeliz declaração feita pelo comunicador Barbosa Freitas em um programa de rádio da cidade de Pau dos Ferros - que com certeza não reflete a opinião da maioria ou de boa parte da população daquele município no qual tenho bons amigos e amigas e alguns parentes - referente à cidade de Olho d'Água do Borges sobre as medidas que estão sendo lançadas pelo município com relação ao alastramento do novo Corona Vírus, o Covid 19. A forma desrespeitosa com que o comunicador se refere à cidade deixou a população em estado de revolta. Muitos habitantes foram inclusive diretamente aos perfis do comunicador nas redes sociais pedir que este fizesse de imediato uma retratação com relação à desastrosa fala proferida.
Que autoridade - no tocante a conhecimentos específicos da área de saúde, por exemplo - tem você, comunicador, para opinar com relevância e propriedade sobre essa questão da doença? A Organização Mundial de Saúde o Consórcio Nordeste, por exemplo, instâncias essas sim que devem ser ouvidas com relação à temática, tem mostrado as vantagens de se praticar um isolamento efetivo, cuidadoso e até extremo, como parte das medidas importantes para o combate à doença.
A pessoa já mencionada destrata sem nenhum motivo o município por este ser de pequeno porte e ter decretado lockdown, como se para decretar tal medida a variável relevante a ser considerada fosse o tamanho da localidade. Isso demonstra um total desconhecimento das coisas por parte daquele falante. Lugarejos bem menores do que o nosso em diversas partes do mundo decretaram essa ação como forma de conter os avanços da pandemia, como uma medida preventiva - porque como diz o conhecimento e sábio adágio popular, é muito melhor prevenir do que remediar.
Diz em justificativa à sua mal fadada defesa que o que tem que ser feito é o monitoramento dos casos. Não sabe ele por certo que decretar lockdown é uma medida que se adota depois de todas as demais, sendo que o monitoramento de casos é o mínimo a ser feito, e obviamente já vem sendo feito na cidade e em muitos outros lugares desde que se tomou conhecimento da doença. No caso de Olho d'Água (embora eu nao more atualmente na cidade, mas tenho acompanhado de perto a situação por meus genitores, parentes e amigos residirem no município) não foi simplesmente por uma decisão pessoal da prefeita que foi decretado o lockdown, como é dito pelo comunicador daquela fala, tendo sido feita inclusive uma consulta pública para saber a opinião dos munícipes sobre a medida. Nada disso aquele falante tem conhecimento, porque, contrariamente à missão que deveria executar fala mais do que informa, e acaba, assim, por desinformar e confundir.
No início do áudio ele menciona que "o que vale é dado, o que vale é número, em cima de números não há contestação." Pois bem, os números sobre o Covid são alarmantes e caso não se mudem as práticas, será ainda mais catastrófica a situação, como apontam previsões baseadas em estudos. Veja, o município de Olho d'Água do Borges, com menos de cinco mil habitantes, apresenta, no boletim epidemiológico lançado ontem (15/06) - o que é feito diariamente - um histórico de treze casos confirmados de Covid 19, sendo 5 curados e 8 em tratamento. Em seu relato a última pessoa infectada (que se tem conhecimento) - cuja identidade é preservada - diz que tomava todas as medidas sanitárias adotadas e incentivadas na comunidade, não mantinha contato com pessoas infestadas com aquele vírus, e que saía apenas para o supermercado. Mesmo assim foi infectado! Dá pra entender a gravidade da questão? E ainda sobre dados, mesmo o município sendo avaliado - inclusive tendo sido veiculado e destacado no programa RNTV as ações ali desenvolvidas - como umas das localidades que melhor está buscando enfrentar o contágio da doença no estado, o número de casos não é tão pequeno e continua aumentando em decorrência do tempo.
A cidade de Olho d'Água do Borges é pequena - e não tão desenvolvida, economicamente falando, sim, pois o desenvolvimento de um lugar não pode e nem deve ser visto apenas com relação ao fator econômico - mas é um município central para a microrregião onde se encontra, estando localizado entre Patu, Umarizal e Caraúbas, e que a liga, portanto, por meio dos que por ali passam, respectivamente, ao estado da Paraíba e ao Seridó norte riograndense, ao alto oeste do estado RN, e à região de Mossoró - um dos principais focos de contágio do estado e a cidade mais central para a nossa região. Se preocupar com o vírus não avançar em Olho d'Água é se preocupar também com a vizinhança da cidade e o contágio para os moradores dessas demais localidades. Vale lembrar que isso tudo começou e se alastrou pelo mundo todo porque uma pessoa - uma úncia pessoa - foi contagiada. Ou seja, o pequeno, o pouco, quase sempre tem grande importância em todos os processos.
Caracterizar como "palhaçada que está sendo adotada por prefeitos chibatas, despreparados que não tem assessoria jurídica, que não têm um trabalho de verdade da secretaria de saúde dos seus municípios", como é dito pelo falante do programa, demonstra desconhecimento e prepotência por parte do radialista. Como ele pode fazer julgamentos tão contundentes e desrespeitosos baseados apenas em achismos?
A prática de culpabilizar prefeitos - e por vezes governadores - é conhecida entre os defensores dessa lástima que é o governo federal do nosso país. Um governo em que o chefe do executivo vive de incitar a violência, destratar pessoas e desconsiderar a gravidade da pandemia, por exemplo, chamando-a de uma gripezinha e dizendo que a população vai morrer mesmo "e daí?". Governo onde o ministro da educação é totalmente sem educação e decoro, sem o preparo mínimo que o cargo exige - na verdade isso parece ser regra nesse desgoverno -, chegando a caracterizar os juízes que integram a suprema corte do país de vagabundos, inclusive. Governo no qual o ministro da economia esbravejou em um vídeo de uma reunião ministerial (imagine o que acontece nessas reuniões) "deixa cada um se fuder". Práticas como essas têm inflado os ânimos de pessoas em todo o país que acham que podem destratar, desrespeitar e ditar o que deve ser feito com base apenas em absurdos e achismos - utilizando para isso palavrões (nada contra palavrões em si, mas sim à ênfase e à maneira com que são proferidos) e gritarias, algo sem nenhuma valia em um contexto de diálogo -, como se isso tivesse alguma relevância para o bem comum.
O falante já mencionado utiliza o exemplo de um caso em Itaú - caracterizando inclusive a prefeita daquele outro município de pessoa insana por ter decretado lockdown (segundo a visão dele) apenas devido àquele caso isolado de uma pessoa que teria ido a uma banca de jogo -, para generalizar o seu achismo, sendo que, cada caso é um caso. Despreparo quem demonstra é o comunicador que não sabe comunicar, apresentando por vezes total incapacidade no uso da palavra.
Argumenta ainda que o lockdown seria uma prática que deveria ser proibida por contrariar a Constituição Federal do Brasil, no que se refere ao direito de ir e vir. Ora, o direito de ir e vir é violado a todo momento nessa terra de brasil, afinal, para ir e vir não é necessário apenas ter pernas! Agora quando se quer que as pessoas fiquem em casa por medida de prevenção do contágio de uma doença grave, que já levou a óbito dezenas de milhares de pessoas no país, esse capítulo da Carta Magna, tao desrespeitada e violada, é lembrado como se nunca tivesse sido esquecido! E, em especial, a lei carece sempre de interpretação ao se analisar um caso específico - como me ensinaram vários de meus professores de Direito e alguns dos comentadores que tenho lido. Não é porque temos o direito de ir e vir que podemos ir a qualquer lugar ou fazer qualquer coisa como é sabido por todos. A defesa da morte e do lucro em nome desse ponto da Constituição - não sendo a primeira vez que vi sendo feita a sua tentativa, diga-se de passagem - é mais uma falácia de quem não tem o que dizer e nem como justificar a defesa do indefensável.
E, por fim, o que mais destaco ao ouvir o áudio e que causa ainda mais indignação, por assim dizer, não é apenas (o que já é um absurdo inominável e sem tamanho) o falante à frente do programa dizer que a cidade de Olho d'Água do Borges - terra de Joaquim e de Francisca, De Sebastião e Conceição, de Lídia, de Germano, de Delfino, de Vicente, de Celino, de Dorgival, De Valdécio, de Zé Curto, de Antônio Rodrigues, de tia Isaura, de Raimundinha e de Domingos, de celeiros, costureiras, poetas, agricultores, vaqueiros, ferreiros, artesãos, comerciantes, dos Gulora, dos Pavão, dos Praquevêi, dos Cancão, dos Várzeacumpridas (e da linhagem de quem está lendo que eu que aqui escrevo não sei qual é, embora muito provavelmente a conheça de alguma maneira), de sítios, localidades e povos em vastidão - é uma "porcaria, uma merda, uma cidadezinha rabo, com quatro rua", é algo como uma raiva, animosidade e reacionarismo com que são proferidos tais despropérios, bem ao molde do que se vê atualmente sendo incentivado, praticado e observado na truculência gratuita que se alastrou pelo país. Para essas pessoas dejeso e mentalizo luz para que revejam suas práticas, ações e falas proferidas.