Quando criança, mesmo ja um tanto formado, gostava de sair de casa de manhã para pegar Sol na rua, para desamofinar, como se diz lá no Oeste. A rua na qual eu morava era bem diferente do que é hoje. Alguns chãos sem casas, muitos na verdade, uns com sapatas outros cobertos de mato. Tinha inclusive um chão de casa no qual Danca tratava de uma vaca. Neste eu ia muitas vezes catar Canapu, Melancia-da-Praia, Melão de São Caetano e os frutinhos de um pé de Camará que lá existia.
Eu gostava de me equilibrar nas sapatas deterioradas de um chão que ficava em frente à minha casa, onde os Beija-Flores faziam seus ninhos nos Samba-Cuités e as Rosas-Seras (ou seria Rosa-Cera) se balançavam com o vento a parecer pessoas. Como para o outro lado da rua ainda não haviam casas, dava pra ver aquele grande vão da baixa despenhada que ia de encontro ao terreno de João de Maneco com aquela farta plantação de Bananeiras, e também Juremas, Cabeças-de-Frades, Xique-Xiques, Mandacarus, Gogóias, Pereiros, Marmeleiros, Muçambês, Velames - lá pra cima também tem Macambiras, Angicos, Pau d'Arcos, Cajueiros, Juazeiros, Carnaubeiras, Cajaraneiras, Favelas - Golinhas, Caboclos-Lindos, Papas-Capins, Tejus, Cobras e Preás. Acima do horizonte as serras da região, dentre elas a Serra Redonda, e daí à imensidão do Céu.
Dali de onde eu estava à casa de Tanita eram algumas dezenas de metros, na Travessa John Fitzgerald Kennedy, hoje Reginaldo Paiva. Tenho em mente que foi por intermédio de Tintin, seu filho - bem mais novo do que Novo, e que tem por nome César - que tive notícia do cantor Chico César, ainda desconhecido, natural da cidade de Catolé do Rocha. Depois eu soube que bem antes de ele lançar discos suas músicas transitaram por Olho d'Água, por meio de uma fita K7 que uma irmã sua teria dado ou vendido a alguém da cidade que estudava com ela na UERN em Patu, ou que a conhecia de lá. Embora sem ainda ter escutado suas músicas, fiquei com aquele nome em mente. Pelo que o amigo tinha me dito, com uma destacada ênfase, se tratava de algo relevante. Anos depois Chico Cesár começou e se tornar conhecido e pude acompanhar esse grandioso artista, suas músicas e sua aura de poeisa. Ao ouvi Beradêro tudo aquilo era algo como uma ressonância de acontecimentos e situações que me deixaram - e ainda me deixam em alguma medida - perplexo.
Naquela época as notícias e informações nos chegavam assim - lembro do dia quando voltando da atividade física da escola um outro amigo me contou de uma banda que tinha escutado, uma tal de Legião Urbana. Aquele nome, expressão, me soava muito exótica e interessante, e lembrava, dentre outras coisas, a imagem do momento final da tarde quando a difusora da Torre dispersava por toda a cidade aquela sonoridade já conhecida. Era o tempo dos concursos de A Mais Bela Voz. Várias pessoas da cidade, de culturas e gostos musicais variados se preparavam em seus grupos de amigos diversos para escutar músicas e ensaiar suas cantigas e apresentações. Muitos as vezes apostavam em músicas mais recentes e desconhecidas como uma maneira de surpreender as bancas examinadoras.
Era um tempo bem diferente de hoje. O divertimento dos meninos e também de algumas meninas da minha idade, quando saíam pra os lugares movimentados da cidade, era ficar arrodeando pipoqueira, ou a girar em sombrinhas, carroceis e rodas gigantes dos parques que apareciam nas festas tradicionais. Ou ainda, no meu caso, por vezes, rodar nas cadeiras altas do bar de Leandro, mais conhecido na cidade como Chico de Dadá - que não era o maravilha, mas guardava muitas semelhanças com aquele futebolista. Algumas das referências musicais que me chegaram e que ainda revisito hoje em dia escutei no bar de Leandro, na sua discotecagem infinita e por meio daqueles pôsteres diversos nas paredes do bar. Um museu musical a céu quase aberto.
Ainda não existia o Pimentão, nem o Kamana Clube, a Quadra do Charles foi construída mais ou menos por esse tempo. Era o tempo do Esquinão e suas paredes ensaboadas, já que tinha funcionado ali anteriormente naquele prédio uma fábrica de sabão. Uma vez dei um pulo na rua em dia de Esquinão. Fiquei ali na frente da festa vendo o movimento, até que consegui entrar. Nunca tinha visto por dentro aquele clube. Pude contemplar as janelas gradeadas e amarradas com arame de roseta por uma outra perspectiva. O ambiente tinha o aspecto de algo como se fosse um castelo ou os aposentos de algum Ravengar. Tocava as vezes música lenta pra galera se chegar, mas também rock pesado e outros gêneros. Os casais se amando em meio ao escuro quase completo do salão. Resolvi voltar à luz da rua. Quando saí o vento soprou forte em minhas narinas e assim pude respirar melhor. Por aquele momento o controlista do som havia colocado pra tocar Dust in the wind, do Kansas.
As apresentações musicais, como as que integravam o concurso já mencionado aconteciam no mercado público, que algumas pessoas continuavam chamando de Barracão, em referência à estrutura anterior. Foi ali naquele lugar que vi e ouvi - e quem estava lá dificilmente esqueceu - Gibi de Dadá ganhar um daqueles concursos, cantando de maneira arrebatadora No dia em que a terra parou, de Raul Seixas, levando muitos dos presentes a quase um transe coletivo, as pessoas naquele momento não se continham, erguiam os braços, gritavam e se expressavam de formas diversas, em uma grande euforia geral.
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