segunda-feira, 26 de outubro de 2020

NÃO FORAM AS MANIFESTAÇÕES QUE CRIARAM O CENÁRIO POLÍTICO ATUAL

Não foram as chamadas "Jornadas de Junho" - ou como se queira nomear - que conduziram a este estado de coisas no qual nos encontramos. Foi sim, em parte, diga-se de início, a sua cooptação por várias de algumas das forças que estavam presentes naquele movimento, como também outros desdobramentos. A ideia de que foram aquelas movimentações que geraram o atual panorama político deixa encoberto a realidade dos fatos, como também o viés conciliador, por assim dizer, com que se moldam os rumos políticos do país.

Naquele momento em alguma medida se teve a oportunidade de desenvolver um outro cenário político, semelhantemente ao que vem acontecendo no Chile - embora se note que lá o processo se deu de maneira bem mais incisiva. A força propulsora daquele movimento acontecido no Brasil, que nasceu ligado a reivindicações sobre os transportes e direito à cidade - que se vê cada vez mais sitiada, com praças cercadas, com espaços públicos sendo privatizado (como o vale do Anhangabaú, por exemplo), as orlas das praias sendo infestadas de prédios, as florestas sendo destruídas e as reservas virando pistas de corrida etc. - e logo se transformou em um grito por mudanças nas instituições sociais e políticas em nível mais abrangente, guarda muitas semelhanças com as empreendidas por aquele povo.

Mas, diferentemente do que vemos acontecer no Chile, onde por meio de uma Convenção Constitucional é feita "uma reivindicação da soberania popular, que deseja ter mais incidência nos processos e deslocar os partidos do papel hegemônico que tiveram por três décadas, com o resultado de manter o status quo institucional [Mella via Carta Capital em matérias de hoje]”, aquelas movimentações que aconteceram em muitas das principais cidades deste outro país sul-americano não tiveram o êxito esperado [até se conseguiu a votação de uma lei na Câmara Municipal de Natal referente aos transportes, mas pouco tempo depois os mesmos políticos que a votaram "voltaram"] e vemos nos últimos anos a presença na centralidade das decisões do país de forças bastante diferentes daquelas que o impulsionaram.

A verdade é que temos muito pouca formação política e maturidade para movimentações alternativas dessa natureza, embora, vale lembrar, movimentos sociais surgidos no país alcançaram bastante projeção e geraram mudanças efetivas. Mas aqui, em termos gerais, pelo que se vê e a história tem colocado, acaba prevalecendo a noção de que se deve preservar o que se tem em termos político-institucionais ao invés de buscar transformações.

Isso é também parte do que leva a se considerar que foram as movimentações sociais acontecidas em 2014 e 2015 que geraram o que hoje se vivencia. Perceba-se que é um argumento em linhas gerais bastante conservador, no sentido de querer manter as coisas como estão, ou seja, "sem mexer no que está queto", acabando por criticar quem buscara mudanças e alternativas para situações vivenciadas e observadas.

No entanto, devemos estar atentos que há sempre perturbações nas trajetórias.

Adaécio Lopes é professor de física e doutor em educação, escreve, fotografa, faz poemas e artesanias.

 das serras lá do oeste

uma telegrafia de nuvens
em raios de sol e calor
e mil tons de nascimentos
canto bichos árvores mundos
trilhos óticos e balanço de artéria
em setenta e oito movimentos
afélio
peri
hélio

adaécio lopes

domingo, 25 de outubro de 2020

 O que é é o que é

E não existe sem sê-lo

Exagerar ou tentar

Alçar o que é por contê-lo

Deixa o que era sem ser

Que espuma não é saber

E pluma idem não é pelo.


Adaécio Lopes


 

 fazer a própria comida

é como sarar o umbigo

é um educar de estômago

não pode ser um castigo

é um despertar sem tempo

estando ali perto de sigo


adaécio lopes


 






 

 


 A vacina poderia ser a melhor possível, mesmo assim não seria comprada, porque esta atitude está sendo firmada por motivo pessoal. Um governante eleito não pode fazer isso, ele é um agente público. 

 A fauna e a flora não estão desaparecendo, como se fosse algo natural. Estão sendo destruídas! Dizer que estão desaparecendo deixa de fora essa "detalhe" e faz toda diferença. No tempo em que estamos vivendo temos que estar a cada momento reescrevendo frases.

domingo, 18 de outubro de 2020


 

 Tem assim planos que estendo

Para molhar no sereno


Enquanto escuto as cantigas


Das caatingas no meu quengo


Eu rimo assim desse jeito


Vou no rumo do sentimento


Não é um botar de remendo


Adaécio Lopes

essa couve



 

cinza de veneno



 

vai nos levar onde




     fadol

 A luz nos persegue

De todas as formas


As vezes disfarçada


De sofrimentos e de


Tragédias as vezes


De noite as vezes


De dia


Adaécio Lopes

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

CONHECIMENTO NÃO PARA CRIAR MAIS DISTRAÇÕES, MAS PARA LIBERTAR

 


Quando o conhecimento era apresentado na forma de diálogos era possível evidenciar o seu caráter transitório com bem mais leveza e eficácia, porque eram várias mentes diferentes contribuindo envoltos com aquela temática. De uns tempos pra cá com os tratados (ou outros nomes que se dão aos textos), tendo-se poucas excessões, isso ficou difícil de se alcançar, já que é dito que o sujeito é unidade. Nesse sentido, ao se lê Galileu, Bruno e muitos outros pensadores de destacadas épocas da travessia humana, se pode perceber como eles estão chamando a atenção em seus diálogos para a seguinte problemática: o conhecimento por vezes pode piorar mais a situação do que melhorar. Essa sutileza na apresentação do conhecimento os tratados não comportam tanto, porque no coletivo o riso é mais possível, afinal ri sozinho não é lá algo muito bem visto nos dias de hoje, não é mesmo rs? 


"Como assim ?", dirá o leitor. "O conhecimento é sempre libertador! Você está sendo contra o conhecimento?" O conhecimento construído por meio de argumento e encadeamento de sentenças (veja bem os termos) é libertador quando ele busca a libertação, mas por vezes a argumentação ou o procedimento lógico do discurso pode não visar isso e, portanto, criar mais obscurecimento e estreitamento do que esclarecer. Isso porque, o conhecimento exposto com base em argumentos depende de para que sentido se está sinalizando com aqueles argumentos. Estar atento a isso é muito mais importante do que o conhecimento que se está visando com aquilo.  


Por exemplo, se eu foco minha argumentação no fogo ou na ação de evitar que o fogo aconteça, qualquer coisa que venha a evitar a criação de chamas parece ser algo benéfico e salutar dentro desse contexto argumentativo. Mas, isso é um estreitamento, é algo muito restrito, enganoso. Um contexto mais amplo será perguntar porquê se deve evitar o fogo. Se deve evitar o fogo na floresta porque ao fazer isso se possibilita a existência da biodiversidade. Assim, evitar o fogo não é o ponto importante, mas o desenvolvimento da biodiversidade é que o é. Porque se eu evito o fogo, mas com isso impossibilito o desenvolvimento da biodiversidade não há ganho nesse sentido. É algo como pavimentar a amazônia para evitar o fogo, que ganho teria isso no que se refere à riqueza daquele ecossistema?


Tampouco há libertação quando se direciona o pensar humano com vistas ao desenvolvimento produtivo de bens de consumo materiais, por exemplo. Não há como aplacar os desejos humanos por bens materiais e por produção. Sempre existirá mais produção e busca por mais produção. Somos muito parecidos com os sapos - se algo se mexe o sapo "glupf" - apesar de também sermos muito diferentes deles. Se algo chama a nossa atenção lá vamos nós, a menos que contemplemos a situação e percebamos aquele condicionamento. Mesmo dividindo essa produção - e o interessante é que isso aconteça - sempre existirá uma insatisfação. Nem os Rolling Stones resolverão isso (rs). Como diria um pensador antigo, para que construir prédios e edificações outras com vistas à contemplação se eu já tenho os jardins?


Assim, é sempre bom lembrar, que, quando Newton propôs suas ideias, por exemplo - hoje os estudiosos mostram que muita coisa não foi ele que pensou primeiro, sendo que a lei da inércia, por exemplo, já havia sido proposta do Descartes, mas isso é outra temática -, sua intenção não era saber quanto de força se tinha que aplicar para levantar um balde de argamassa até o topo de um prédio em construção, problema recorrente nos livros didáticos da atualidade, como também muito semelhante àqueles que constam em exames como o ENEM. Se o ensino atual não tem interesse que se estudem os originais dos pensadores é porque os interesses do nosso tempo estão voltados mais para construir prédios do que para cultivar qualidades mais libertárias e sublimes que dizem mais respeito à contemplação do que à distração, ao mercado e à aparência.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O cientificismo não deve necessariamente ser critério para avaliar as produções humanas

O cientificismo não deve necessariamente ser critério para se avaliar as produções humanas, até porque muitas vezes tal postura - veja, há muitos tipos diferentes de ciência, para começo de conversa, mas, como ela é entendida hoje diz respeito a pressupostos que são recentes na história humana e têm uma forma característica de ver as coisas (logo, também é algo construído e não absoluto) - tem ajudando a destruir diversas formas de vida que não são inscritas pelo seu ideário. Quem chamou de maneira contundente a atenção para isso foi Paul Feyerabend. Heidegger e Sartre anteriormente já sinalizavam de maneira mais ampla para algo nesse sentido - digo isso para dar o crédito não para angariar poder, como muitas vezes é feito, por exemplo, quando se diz que algo é científico, como se ser científico fosse obrigatoriamente sinônimo de benesse ou melhoria. "Quando eu digo que uma coisa é eu não estou dizendo o que é significa". Assim, "é preciso estar atento e forte", como foi dito na canção. O cientificismo é problemático. No entanto, algo com o qual se deve estar preocupado e que é muito mais problemático, absurdamente mais danoso, melhor dizendo, é o fato de achismos e concepções que nada têm de científicas se apoderarem desse discurso supremacista que a ciência ajudou a fomentar para afirmar suas teses estapafúrdias. Alguém que lê isso agora pode achar que eu estou sendo inverídico no que estou dizendo, no que concerne à ciência. Pois bem, vamos a exemplos históricos. Personagens como Francis Bacon e muitos outros estudiosos do período moderno achavam (a palavra é essa mesmo, já que não tinham nenhuma maneira de comprovar o que estavam dizendo) que a ciência tinha de fato descortinado a realidade e agora apenas teriam que ser aplicados aqueles procedimentos e tudo seria finalmente conhecido. Isso levou o Conde Rumford, com seus estudos sobre o calor, a dizer logo depois que a física, por exemplo, enfrentava apenas um ou dois probleminhas, mas, logo tudo estaria resolvido. A entropia mostrou justamente um novo mundo de imponderabilidade e dúvida, algo bem diferente do que fora sentenciado por Rumford. Mais recentemente a "teoria de tudo" é um desses capítulos da história da tentativa de "cérebro" na sua busca por dominar o mundo - sendo, diga-se de passagem, a teoria quântica aquela que mostra que a "casca de nós" insiste em manter-se como algo em aberto. Assim, perceba que há uma aura supremacista na ciência moderna desde sua eclosão. E que ficar defendendo a ciência ou sua faceta propagandística, o cientificismo, não ataca esse ponto, mas, em alguma medida até reforça essa noção distorcida e temperada de uma suposta hegemonia e autoritarismo que vemos atualmente, que repito, pouco tem de científico, a não ser algo da parte mais nebulosa da ciência, ou seja, das pessoas.