Não foram as chamadas "Jornadas de Junho" - ou como se queira nomear - que conduziram a este estado de coisas no qual nos encontramos. Foi sim, em parte, diga-se de início, a sua cooptação por várias de algumas das forças que estavam presentes naquele movimento, como também outros desdobramentos. A ideia de que foram aquelas movimentações que geraram o atual panorama político deixa encoberto a realidade dos fatos, como também o viés conciliador, por assim dizer, com que se moldam os rumos políticos do país.
Naquele momento em alguma medida se teve a oportunidade de desenvolver um outro cenário político, semelhantemente ao que vem acontecendo no Chile - embora se note que lá o processo se deu de maneira bem mais incisiva. A força propulsora daquele movimento acontecido no Brasil, que nasceu ligado a reivindicações sobre os transportes e direito à cidade - que se vê cada vez mais sitiada, com praças cercadas, com espaços públicos sendo privatizado (como o vale do Anhangabaú, por exemplo), as orlas das praias sendo infestadas de prédios, as florestas sendo destruídas e as reservas virando pistas de corrida etc. - e logo se transformou em um grito por mudanças nas instituições sociais e políticas em nível mais abrangente, guarda muitas semelhanças com as empreendidas por aquele povo.
Mas, diferentemente do que vemos acontecer no Chile, onde por meio de uma Convenção Constitucional é feita "uma reivindicação da soberania popular, que deseja ter mais incidência nos processos e deslocar os partidos do papel hegemônico que tiveram por três décadas, com o resultado de manter o status quo institucional [Mella via Carta Capital em matérias de hoje]”, aquelas movimentações que aconteceram em muitas das principais cidades deste outro país sul-americano não tiveram o êxito esperado [até se conseguiu a votação de uma lei na Câmara Municipal de Natal referente aos transportes, mas pouco tempo depois os mesmos políticos que a votaram "voltaram"] e vemos nos últimos anos a presença na centralidade das decisões do país de forças bastante diferentes daquelas que o impulsionaram.
A verdade é que temos muito pouca formação política e maturidade para movimentações alternativas dessa natureza, embora, vale lembrar, movimentos sociais surgidos no país alcançaram bastante projeção e geraram mudanças efetivas. Mas aqui, em termos gerais, pelo que se vê e a história tem colocado, acaba prevalecendo a noção de que se deve preservar o que se tem em termos político-institucionais ao invés de buscar transformações.
Isso é também parte do que leva a se considerar que foram as movimentações sociais acontecidas em 2014 e 2015 que geraram o que hoje se vivencia. Perceba-se que é um argumento em linhas gerais bastante conservador, no sentido de querer manter as coisas como estão, ou seja, "sem mexer no que está queto", acabando por criticar quem buscara mudanças e alternativas para situações vivenciadas e observadas.
No entanto, devemos estar atentos que há sempre perturbações nas trajetórias.
Adaécio Lopes é professor de física e doutor em educação, escreve, fotografa, faz poemas e artesanias.
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