segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Contunuação do texto anterior: A verdade e a política

Inexplicavelmente não consigo responder seu comentário Hugo. Por isso postei aqui.

Muita boa esta frase entre aspas Hugo.

Coloquemos mais algumas coisas para que pensemos juntos, todos.

Estou a par destas definições acerca da política. Nossa noção de política no Ocidente, como muita coisa, vem da Grécia Antiga. A política naquele contexto era a arte de gerenciar e dirigir a Polis, a cidade. Destaque-se aí o fato de que tal concepção tem uma origem de cunho teórico, ideal. Veja, os gregos instituíram o que passou-se a chamar de Democracia Escravista, onde as questões políticas estavam restritas aos homens livres, àqueles que não guerreavam, maiores de 21 anos, homens, nascidos em território grego. Como se pode ver eram poucos os que participavam das decisões políticas da cidade. E estes eram justamente os sábios, os acadêmicos, os intelectuais. Eles não se preocupavam com a sobrevivência, pois tudo era suprido pelos escravos. Veja, eu não estou aqui querendo dizer que a solução da política atual é deixar que apenas uma pequena parcela da sociedade participe, e menos ainda, é obvio, que seria a segregação e a escravização tal atenuante. O que estou querendo dizer é que esse modelo que forçamos ainda hoje não tem como funcionar para este contexto atual.
Platão, um dos principais teóricos proponentes da idéia de que a gerencia da Polis seria feita pelo filósofo, pelo sábio, aquele a quem todos deveriam seguir, parte do principio que tal vivente teria acesso à verdade suprema. Até aí nenhum problema. O problema é entender que esta verdade alcançada pelo rei-filósofo seria seguida por todos os demais. Veja, Platão tentou fazer com que a dinâmica das sociedades secretas, das academias gregas, do qual Pitágoras é um dos maiores representantes, fosse aplicada à vida pública. Acontece que no espaço público a dinâmica é diferente daquelas instituições compostas por iniciados e mestres. O público é público, todos tem livre arbítrio, principalmente na época atual. Mesmo naquela época e contexto tal intento não frutificou, para decepção de Platão.
Esse modelo foi aperfeiçoado pelos romanos, grandes civilistas que eram criaram a figura do senado, da assembléia, como representantes do povo. Mas veja, ainda temos que entender que está se tratando de um império, e que o senado tinha bem menos representatividade do que tem hoje, a ponto de um cavalo ter sido instituído senador por um dos imperadores, Calígula. Mas deixemos essa história em paz, voltemos para nosso tempo.
O fato é que essa idéia que a gente tem de história prejudica muitas vezes a gente. Lembro de um dia ter visto uma palestra de um eminente professor de História que dizia “um fato histórico não se modifica, nunca se modificará”. É esse entendimento que faz com que pensemos que a Revolução Francesa instaurou de uma vez por todas a Democracia no mundo e que esta realmente existe como algo autônomo, absoluto e salvador. Rousseau, o filósofo maior daquele período assim como Platão usa uma figura estilística, teórica, para supostamente resolver o impasse – veja Rousseau era um romântico, para muitos o precursor do romantismo, e não desqualificamos sua brilhante construção poética, criticamos sim a transformação da sua figura poética em solução para a pragmática que se estabeleceu. Parece que pensar que há uma solução é justamente o problema (esclareceremos melhor adiante). Acerca desta questão da Democracia, me coaduno com as colocações feitas por Tage Lindbom no livro O mito da democracia. A concepção de vontade geral que Rousseau expõe no seu livro O contrato social é tão alegórica e abstrata quanto a do rei-filósofo lançada por Platão. Em ambos os casos a questão de onde tais entidades firmariam sua verdade nem sequer é tocada – questão que atormentou tanto o sábio Arquimedes (“Dei-me um ponto de apoio e eu erguerei o mundo”) – justamente porque ambas são construções discursivas que pretendem se autosustentar.
O fato é que desde a instauração da Revolução Francesa e do Capitalismo, a coisa nunca foi tão calma como se tenta transparecer – o que não quer dizer que antes o era, mas pelo menos não se negava isso. Tivemos diversos conflitos, inclusive duas guerras mundiais. Esse modelo político se mantém à custa de combates e sufocantes ações reacionárias. As retaliações às manifestações de Maio de 68 e seu legado são um exemplo disso, eclodindo regimes totalitários e ditaduras em várias partes do mundo. Para muitos integrantes da esquerda tais mobilizações da década de 60 foram apolíticas e, portanto, não foram significativas no sentido de combater o “sistema” e o capitalismo. Penso justamente o contrário, foi uma oportunidade de refletir sobre a convivência dos humanos e de se mostrar outros referenciais nesse sentido. Isso porque uma de suas características principais foi a sociabilidade genuína que foi ali demonstrada, o espírito de tribo, de bando, para usar uma terminologia de Michel Maffesoli.
Tal concepção é totalmente diferente da qual se baseia o sistema político atual, pois ela não está baseada na concepção de sujeito, o grande marco da modernidade, que como mostra Michel Foucault em toda a sua obra, mas principalmente nos livros Microfísica do poder, As palavras e as coisas, e A arqueologia do saber, é algo recente na história da humanidade. Ou seja, a idéia de indivíduo é algo bastante recente em termos históricos e tal concepção é justamente o que possibilitou a instauração deste sistema político e econômico que muitos teem com uma inevitabilidade. O principal “responsável” por esta questão foi Descartes ao decretar que se “penso, logo existo”.
O fato é que não podemos voltar no tempo, reescrever a história, isso seria tão difícil quanto encontrar o ponto de apoio do qual comentamos há pouco. No entanto, outro fato ainda mais claro é que o homem parece não estar mais muito a fim de levar esse peso de se auto organizar a todo instante. E ao jogar isso para o social, será que já entendeu a lição com o episódio da vontade geral de Rousseau? Eis a questão. O que estará por vir? Vários movimentos pelo mundo estão sinalizando algo que ainda não se dá para perceber em que desembocará. Mas vou falar de algo que tive a oportunidade de presenciar.
A tomada da Câmara de Vereadores da Cidade do Natal este ano mostrou algo sugeres. Nas manifestações não tinha um líder, alguém que falava que centralizava as atenções, o poder, digamos. Era algo realmente de cunho coletivo. Inclusive quando os líderes de sindicatos ou outras organizações políticas que apoiavam os estudantes usavam da palavra no modelo usual, personalista, de palanque, os próprios integrantes do movimento vaiavam ou faziam batucadas em reprovação. Não haviam discursos entre eles, no máximo cantigas de ciranda e gritos de guerra. Inclusive o amigo Pablo Capistrano me falou que em conversa com o advogado Daniel Pessoa, este relatou a dificuldade de intervenção jurídica do poder legislativo municipal em relação ao movimento justamente pelo fato de que quando interrogados sobre quem seria o líder, o responsável, os estudantes respondiam “somos todos nós, o acampamento primavera sem borboleta”. Como será esse próximo momento político da humanidade eu não sei, mas acho que é por aí.

Valeu Irmãos.
Ritualizemos sempre.

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