Muitos pensadores ditos construtivistas tentam botar a vida dentro da escola. Isso é como tentar fazer brotar uma flor dentro de uma cela. É cansativo, é desgastante, e praticamente não tem efeito algum. O mais indicado em minha opinião, seria jogar a escola na vida.
Veja. Nada contra o construtivismo, em suas muitas acepções. Muito pelo contrário. Tal concepção de mundo acerca do conhecer e do aprender “não está por fora” como diriam alguns. O problema é a institucionalização. Algo que sinaliza para a liberdade, como essa postura, não pode sobreviver dentro de um mundo que já foi formatado de inicio. Nada que tenha esta característica libertária poderá ficar enclausurado em muros, cronometrado, regido a toques de sirene.
Não sei se a memória é algo como um palácio onde estariam guardadas nossas lembranças, como falava Santo Agostinho, mas que de vez em quando nos surge algo que não estava aqui e que por certo talvez estivesse em outro lugar, isso nos parece indiscutível. Lembro de um dia o professor Djanilson Ramalho ter me falado de um texto em que Philippe Perrenoud chama a atenção ou discute (acho que não chegamos a aprofundar o assunto: a sirene tocou no momento) o fato de as ideias de Gardner, acerca das Múltiplas Inteligências, não ter decolado na educação. Tenho minha opinião sobre isso (não sei se é a mesma de Perrenoud, afinal não li o texto): isso se deve ao fato de que Gardner sinaliza para a liberdade, ao defender que cada aluno tem uma habilidade que tende a desenvolver mais, e que isso deveria ser desenvolvido pela escola e não extirpado. Ou seja, àquele aluno que não sabe matemática, mas sabe desenhar devem-se dar condições para que desenvolva suas capacidades artísticas. Mas isso no fundo não interessa à instituição escola, embora muitos professores possuam essa postura e teimem nesse sentido. Ainda bem!
O que impede a escola de proceder desta forma é o fato de que logo vem à tona a seguinte idéia, talvez inconsciente (ou não): será que desenhando ele terá condições de ganhar dinheiro e comprar, se inserir no mercado? No fundo, a escola, nos moldes que a conhecemos, é uma fábrica de futuros adeptos do mercado, do mercantilismo, desse escambo moderno que não cansa de moer vidas ao pé do balcão. Pronto está dito!
No geral, as escolas aprisionam as consciências. Deveriam ser espaços de troca de experiências, mas acabam sendo ambientes doutrinadores. E uma vez estando dentro desse calabouço, é muito difícil não aderir à suas práticas, pois são muitas as pressões (exames dos mais diversos, Enem, Vestibular, Prova Brasil, SAEB e etc..). Se você quiser dar o salto em busca do que realmente vai importar para a maioria daqueles que ali estão (na sala de aula) tem que ir de encontro a tudo isso.
Mas alguém me diria: então você vai ensinar o quê? Pra quê? Vai formar alienados? A isto respondo serenamente: não. Apenas deve-se ser mais atento às reais necessidades existências daquele vivente que está ali na nossa frente. Isso não exclui o fato de que eu possa comentar com eles, por exemplo, as explicações que um certo inglês do século XVII deu para o fenômeno da queda dos corpos próximos à superfície da Terra - tendo o cuidado de mostrar que esta teoria não é a única explicação para este fato. Ou seja, viver e pensar a existência é muito mais importante do que apenas entender as leis de Newton.
Mas repito: fazer isso é muito difícil no castelo medieval que é a escola (com todo respeito ao medievo, que inclusive ainda conhecemos tão pouco, ou de forma tão distorcida). Porque para conversar, para trocar ideia, precisa-se de tempo, do tempo da escuta, do erro e do acerto. Do tempo que proporcionará a confiança e a segurança do jovem em seu mestre e vice-versa. Quase nada disso é valorizado hoje nessa escola ultra-super-mega-acelerada. E se você é um professor de Física então, seus problemas são ainda maiores. Vocês já viram o programa de Física que é exigido que os alunos saibam nesses exames que elenquei acima? Se não, comprove você mesmo. É como se a cada aula professores e alunos tivessem condições de dar conta de concepções epistemológicas e filosóficas complexas, que levaram séculos para ser construídas – e que inclusive ainda estão sendo aperfeiçoadas. Como já disse em outros textos, exige-se que se carregue o mundo - tal como foi explicado até hoje - nas costas. Acerca disso temos que afirmar: Não podemos!!!
Numa escola para a vida, os muros devem estar restritos à sua estrutura física, não circunscrevendo as mentalidades.
Não somos entidades cibernéticas como aquelas retratadas no filme Matrix (alto filme), nas quais se implantam cartuchos de informação de acordo com a necessidade. Temos sentimentos. Possuímos o livre arbítrio. Interessa-nos, além desse catatau de coisas que foram criadas por humanos que vieram antes de nós - motivados por suas necessidades -, as nossas próprias viagens astrais motivadas por nossas próprias necessidades.
Por isso entendo o que disse um certo mutilado de guerra que também era professor (que se deixe claro, ele não abandonou o barco, como de início o texto pode fazer entender, apenas mudou a direção), por nome Paul Feyerabend:
“Esses foram os pensamentos que passaram por minha cabeça enquanto eu olhava para meu público, e eles me fizeram recuar com repugnância e terror da tarefa que se presumia que eu executasse. Pois essa tarefa – isso agora se tornou claro para mim – era a de um feitor de escravos muito refinado, muito sofisticado. E um feitor de escravos eu não queria ser. [...] Experiências como essa me convenceram de que procedimentos intelectuais que abordam um problema por meio de conceitos estão no caminho errado e passei a interessar-me pelas razões do tremendo poder que esse erro agora tem sobre as mentes. [...] Queria saber o que faz com que pessoas que têm uma cultura rica e complexa deixem-se seduzir por abstrações secas e mutilem suas tradições, seu pensamento e sua língua a fim de que possam acomodar essas abstrações. [...] É sinal de presunção pressupor que se tenham soluções para pessoas de cuja vida não se compartilha e cujos problemas não se conhecem. É insensatez pressupor que tal exercício de humanitarismo distante terá efeitos que sejam agradáveis às pessoas envolvidas.”
É caro colega, como disse o velho Raul Seixas, alguns meses antes de partir:
“Se você correu, correu, correu tanto,
Não chegou a lugar nenhum,
Baby, oh baby...
Bem vindo ao século XXI...”
É preciso recolher os escombros e ir sempre adiante.
Dias Lopes
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