Mais uma vez se utiliza a questão do uso da maconha como forma de desqualificar a discussão de um importante tema. Inclusive, historicamente, esse foi o mecanismo que levou à criminalização desta erva (como buscaremos colocar no próximo texto): a segregação das minorias. Até porque a humanidade sempre usou e usará substâncias para alterar a consciência. Inclusive hoje o número de pessoas que usam psicotrópicos é alarmante, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a diferença é que estas pessoas os compram na farmácia.
Para posicionar-se contra o desmatamento do planeta obrigatoriamente se tem que ser uma árvore? Muitos dos estudantes envolvidos nas manifestações da USP não são usuários de maconha. A questão levantada pelos estudantes vai muito além do que defender que se possa fumar maconha no campus daquela universidade. Pensar desta forma só mostra o quão reacionária, tacanha e medíocre é a mídia brasileira, assim como o pensamento de grande parcela da dita intelectualidade deste país.
O que é mais importante, viver ou estar vivo? Esta é a principal temática que está sendo puxada pelos estudantes na USP nas entrelinhas deste embate que empreenderam, questionando dentre outras coisas, a sociedade do controle.
Os estudantes defendem, sim, que a universidade continue como um mínimo espaço de liberdade, criatividade e práticas genuínas, que embora sejam cada vez mais raras, ainda estão presentes nos espaços acadêmicos. Ou seja, são contra a permanência da polícia militar no campus por entenderem, assim como este que vos escreve, que polícia não combina com o ambiente educacional. Um ambiente que ainda possui as características elencadas acima não tem como conviver com uma instituição que entende a resolução de situações recorrendo ao uso da força. Isso é claro, ou pelo menos o deveria ser. Historicamente a polícia enquanto instituição é preconceituosa, caricaturizante, doutrinadora e reacionária. Alguns profissionais da polícia podem destoar um pouco deste comportamento, mas não conseguem se desvencilhar por completo disso, justamente porque tal acepção é da natureza do aparato policial, uma linha de conduta que permeia a prática.
A polícia como Aparelho de Estado está a serviço do controle, vendo em tudo que é mobilização que representa a diversidade sinais de subversão, inclusive em manifestações culturais e artísticas. Talvez por este motivo estudantes, jovens e artistas em geral não se relacionam muito bem com este seguimento.
A polícia, por mais que se fale da mudança que ocorreu durante os últimos anos, ainda trabalha com aquela velha concepção que permeava a ciência penal em tempos idos, lançada por Lombroso, segundo a qual, por exemplo, a aparência física e a anatomia eram indícios seguros acerca do comportamento dos indivíduos. Acho que todos nós conhecemos histórias ou temos conhecidos que foram espancadas, humilhados ou até mortos por policiais por se vestirem ou andarem de forma diferente, possuir uma determinada cor de pele ou manifestar uma atitude tida como suspeita.
Então como combater a violência, falando especificamente, por exemplo, do caso da USP e demais universidades espelhadas pelo país? É, realmente algo precisa ser feito, mas não no sentido do que se está dando como solução. E nesse sentido, diria que essa violência gratuita é reflexo desta sociedade que construímos para viver. Mas não sejamos também ingênuos e utópicos demais, a violência sempre existiu e existirá, ela faz parte do humano que nos constitui. Afinal não aprendemos desde cedo que um certo Caim matou seu próprio irmão Abel?
Uma questão crucial a ser colocada é que, inclusive do ponto de vista lógico, a violência não será exterminada do mundo – supondo que tivéssemos como fazê-lo – a golpes de violência. Praticamente todos os dias policiais e forças armadas matam pessoas no Brasil e no mundo em defesa de uma suposta segurança. É a velha história da guerra pela paz, que convenhamos não se sustenta mais.
E voltando à temática das substâncias, a questão não é defender o seu uso indiscriminado, mas colocar a coisa em pratos limpos.
O argumento de que a descriminalização da maconha causaria um colapso social pelo uso indiscriminado não se sustenta, como estudos recentes realizados em países que adotaram uma postura descriminalizante podem comprovar. Inclusive tais estudos mostram que a legalização da maconha em muitos casos reduziu o uso de substancias mais nocivas.
É fácil perceber – inclusive será colocado num texto posterior – que a problemática acerca da maconha está relacionada a questões econômicas e principalmente ideológicas, sociais e étnicas. A maconha foi sempre, historicamente, uma droga de minorias, o que contribuiu para sua criminalização. Diferentemente do álcool, do tabaco e outras drogas que sempre circularam nos ambientes da alta burguesia.
Como indício de que esta história da criminalização das drogas é guiada por um componente econômico, basta lembrar que, historicamente, as drogas, no Ocidente, oscilaram entre períodos de legalização e proibição devido a manobras mercantilistas e capitalistas. E nesse exato momento estamos vivendo algo semelhante aqui no Brasil. A FIFA, órgão que está à frente da organização da Copa do Mundo de Futebol, que em 2014 será no Brasil, quer mandar para as cucuias o fato de o álcool ser uma droga proibida em partidas de futebol no nosso país, em troca dos sacos de dinheiro que ganhará com os patrocínios das multinacionais do mundo do álcool. Está vendo como o bem, a saúde humana e a suposta violência ligada ao uso de substâncias rapidamente sai de cena quando entram os interesses econômicos, mostrando como na verdade estes nunca foram realmente importantes?
A criminalização da maconha mesmo se tendo muitos estudos científicos reveladores acerca dos danos e reais efeitos desta droga mostra que muitas vezes as verdades científicas só são pontos decisivos em um embate quando são favoráveis aqueles que estão com as rédeas da contenda. E isso vale para todos os temas e embates intelectuais e ideológicos de que se tem notícia – inclusive isso foi aprofundado pelo autor que assina este texto em um trabalho acadêmico recente. Quando as evidencias científicas não favorecem ao que se quer defender, elas muitas vezes são cuidadosamente esquecidas e jogadas para debaixo do tapete.
Encerro com parte de uma música que figurou na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deste ano, composta por um pensador imortalizado, principalmente, pelas minorias de todo o mundo, chamado Robert Nesta Marley:
Until the philosophy / Até que a filosofia
which holds one race superior / que considera uma raça inferior
And another inferior / E outra inferior
Is finally and permanently / Esteja finalmente e permanentemente
discredited and abandoned / desacreditada e abandonada
Everywhere is war [...] / Por toda parte haverá guerra [...]
Adaécio Lopes
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