Sempre fui
afeito à conversas, à narrativas de vidas ou, como se passou a
chamar academicamente hoje em dia, às histórias de vida. Este é um
recurso interessante para registro de informações, organizações
de pensamento, sendo também uma forte forma poética. Não por acaso
nas civilizações antigas um dos primeiros gêneros escritos foi a
história de vida de pessoas. E nesse sentido, diga-se de passagem,
os gregos também foram inventivos, por assim dizer, pois, como
muitos estudiosos destacam, eles consideravam que o discurso é algo
que diz, ou seja, algo como um exercício, uma catarse, um externar,
que, se bem construído se torna interessante e belo, plástico no
sentido estético, como uma verdade para aquele momento.
Eu acho que
essa minha relação com a contação de história tem a ver com
minhas vivências, andanças pelas estradas de terra do oeste
escutando meu pai e muito mais gente conversar, trocar informações,
e de ser de uma família em que as pessoas gostam de papear, de
“jogar conversa fora”. Interessante essa expressão. Sempre penso
sobre ela. E de como, a meu ver tem relação com o exposto acima
acerca do discurso. Conversar e escrever é uma forma de nos jogarmos
fora em um processo secreto de reorganização do nada interior.
Afinal, “Não
há mistérios em descobrir / O que você tem e o que gosta / Não há
mistérios em descobrir / O que você é e o que você faz”.
A história
não seria, assim, uma parada, mas um veículo, não importando tanto
o passageiro, mas sim a viagem.
As máquinas
são algo presente em minha caminhada, e por conseguinte os processos
a elas relacionados e também parte destas. Máquinas e processos de
costura, pequenas máquinas e processos de plantação e cultivo da
terra, utensílios para construção de casas etc. Lembro de uma vez
que Expedito Alexandre da Rocha – uma das minhas grandes
referências de contação de estória e de histórias de vida,
mostrou a Dionísio de Sebastião Pinto (que, diga-se de passagem,
era outro grande contador de histórias) e a mim uma máquina de
cortar cabelos. “Caramba! Tem máquina até pra cortar cabelos”,
pensei naquele instante.
Como morava
muro-com-muro com a Caern, adorava saltar para o lado de lá e ver os
tanques, as bombas d’água, engrenagens, poços, tubulações,
caixas d’água, parafusos, porcas e aruelas gigantes etc. Perguntei
uma vez ao encarregado (que vivia a me expulsara dali e dizia que
aquilo não era coisa para criança e nem para ninguém de fora) o
que era aquele negócio que tinha em cima da caixa d’água, que
parecia um espeto, se ele ajudava a água a subir. Ele me disse que
era um para-raio e que servia pra proteger de tempestades. Depois eu
entendi que ele ajuda os raios a descer, por assim dizer.
Ao lado do
para-raio as tores e as antenas, pois a seguir tinha-se o muro da
escola (depois prefeitura) e logo à frente a Telern. Fiz muito
aquele percurso me misturando com os saguis, passarinhos da rua e
muitos outros bichos. Ficava horas as vezes na calçada da Telern,
embaixo de uma pitombeira que tinha, vendo as pessoas entrar e sair
para enviar e receber informações. Era engraçado, tinha gente que
eu acho que pensava que se falasse mais alto a pessoa com quem se
correspondia entendia melhor ou mais depressa. Coisas do milênio
passado (rs). Outra coisa a destacar daqueles tempos era o serviço
de som da igreja, que servia tanto para passar hinos e coisas
religiosas como para dar avisos à comunidade.
Aquele tempo
era a época da febre das fm’s na região, com seus programas
musicais. Minha tia adorava escutar aqueles programas. Um dia houve
uma tentativa de furto do rádio do meu avô. Um alvoroço. Foi para
mim, penso hoje, o primeiro caso em que tive notícia de tentativa de
roubo ou apropriação de informação.
Poderia
falar ainda da relação com a eletricidade e motores elétricos, de
quando aprendi a instalar tomadas e interruptores, de como passei a
querer colocar pontos de luz e energia em todo lugar, inclusive numa
casa d’árvore que construí numa goiabeira no muro, mas essa é
uma outra conversa.
Um dia
decidiram lá em casa comprar uma televisão. Fomos e minha mãe
comprar o aparelho em Catolé do Rocha, em pesquisa minha mãe soube
que lá era mais em conta. Fomos com Antônio de Felinto, que sempre
ia resolver coisas naquela cidade. Uma viagem tranquila, o Dodge
andando de trinta a cinquenta quilômetros por hora, dando pra ver a
paisagem que eu nunca tinha visto, sendo aquela a maior distância
que eu tinha percorrido relativamente à cidade onde eu habitava.
Escolhemos mamãe e eu uma TX daquelas pequenas brancas. Me
maravilhou aquele vão de descida da igreja da cidade de Catolé,
como também as palmeiras que davam nome à cidade, e sobretudo,
aquela praça com tantas árvores diferentes e gigantes.
A curva é
que tudo isso fazia parte de meu universo infantojuvenil. Das
máquinas à eletricidade, dela às ondas do rádio e da telefonia,
e, por conseguinte, à minha paixão pela física na escola e pela
música daí em diante. Lá em casa o rádio era ligado direto em
programas diversos, noticiários, cantorias, programas musicais.
Levei muito o rádio para Tião Patrício ajeitar, quando toravam os
cordões. Imaginava como algo tao incrível como um rádio podia ter
relação com uma coisa simples com um cordão. Mas ao pensar sobre
aquilo percebi que o cordão servia para mecanismo de passar as
faixas e não para a captação de vozes propriamente dita.
Lembro em
especial de uma situação que me é muito marcante e que resume tudo
isso talvez, pela poder de síntese, pela relação da poesia com a
tecnologia e por todo esse mundo que acabo de destacar e do qual a
internet foi o capítulo seguinte - tendo eu já comentado sobre ela
em relatos de sala de aula, em conversas com amigos e até em um
memorial acadêmico. O rádio estava sintonizado em um programa de
notícia daqueles em que uma pessoa mandava um recado para outra e o
apresentador lia no ar. Tipo: “Fulano, fulana avisa que tal dia
estará em tal lugar para receber a encomenda”. É gente, o mundo
já foi mais inocente e bonito, em alguns aspectos! Pois bem, eu
deitado na minha rede de tranças em tons andinos, balançando a
digestão do almoço, escutei a canção tema do programa – que não
sei se era da rádio Centenário de Caraúbas, da Rural de Mossoró
ou alguma outra que papai tinha sintonizado. A canção eu não
esqueço:
“Deixa
eu penetrar / Na tua onda / Deixa eu me deitar / Na tua praia / Que é
nesse vai e vem / Nesse vai e vem / Que a gente se dá bem / Que a
gente se atrapalha / Escute essa canção / Que é pra tocar no rádio
/ No rádio do seu coração / Você me sintoniza / E a gente então
se liga / Nessa estação”
Como o tempo
é de live, lá vai mais essa escrita passando na linha do tempo
(kk).
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