quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mãos à obra

Meus amigos viver neste mundo moderno não é fácil. Assumimos que somos responsáveis por nós mesmos e por tudo, mas essa equação nunca bate. Estamos sempre com uma sensação de vazio, de perda e de incompletude que de forma alguma é resolvida a golpes de crítica, e muito menos se desconsiderarmos a critica e nos fecharmos no nosso mundinho egóico. Mas então qual a solução? Esse é justamente o problema: acharmos que tem uma solução para as coisas. Então é deixar tudo como está e pronto, ser um ente passivo e não buscar nenhum aperfeiçoamento? Não se trata disso, a questão é que, como colocou o pensador Ludwig Wittgenstein - mas não apenas ele, muitos sábios chegaram a este entendimento por outras vias – se há uma pergunta, é porque haverá uma resposta. Ou seja, a resposta já nasce com a pergunta. O intento já mostra suas garras justamente ao se constituir como intento. Ou ainda, a vontade não se livrará da vontade com um golpe de vontade. Como dizia sabiamente Raul Seixas, o princípio e o fim estão eternamente unidos em um romance astral.
E nesse sentido, a política, pelo menos como é feita atualmente, nada tem a nos ajudar. Isso porque esta política, sendo tributária do pensamento moderno, acredita que nós existimos como algo isolado, como um ser em separado e temos autonomia sobre nós mesmos. Veja, não estou me referindo a esta noção habitual de autonomia (financeira, profissional, social etc.). O que estou querendo dizer é que, assim como todos os saberes antigos sinalizavam, nós e o mundo não somos entidades separadas, mas um uno indistinto. No mundo moderno, ao contrario, nós não vivemos o mundo, carregamo-lo nas costas. E essa tarefa está cada vez mais complicada de ser efetivada. O fato é que, meu amigo, eu sinto em informar, mas você não existe, não como sempre tem acreditado. Você, João, Severino, Paulo, Francisco, Antônio, não existe. Esse nome, essa identidade, essa noção de propriedade privada que todos nós temos, tudo isso é recente. É moderno. Como diz o pensador Michel Foucault, o homem como conhecemos é algo muito recente na história da humanidade. E segundo este pensador e outros, tal conceito já tem seus dias contados.
Um exemplo da personificação da existência humana é representada pelo seguinte: os nomes, pelo menos os tradicionais, se referem sempre a alguma situação, paisagem, sentimento, característica e etc.. Ou seja, o nome João não é João por causa de João, mas pelo que significa a palavra João, digamos. Embora hoje a gente tenha perdido esse significado. Pedro, por exemplo, quer dizer pedra, rocha, o que remete a uma idéia de força, resistência, potencia. Os nomes dos sítios ainda são exemplo do momento anterior, já que as cidades vão a cada dia ganhando nomes de pessoas, entrando no mundo do culto á personalidade, compactuando da idéia de que o homem existe como algo separado do todo. Imperatriz, Varzea da Caatinga, Junco, se transformaram em Matins, Rafael Godeiro, e Messias Targino, só para citar alguns exemplos da região circunvizinha a Olho D’água do Borges (que nome lindo e poético esse de nossa cidade).
Achar que nós existimos causa todo tipo de mazela para os humanos. Os animais, por exemplo, não possuem esse problema. Não se angustiam com a morte, não precisam justificar sua vida a todo instante, nem eleger outros animais para governá-los com medo de que não o consigam. Ainda achamos que somos muito melhores do que os animais! Esse humanos... Se tratando do mundo cristão – já que praticamente todas as culturas possuem exemplos semelhantes - Jesus nos falou justamente dessa problemática: aqueles que querem me seguir larguem tudo. Entendo que Jesus não queria ser seguido, como o termo faz entender, queria sim ser entendido, assimilado como mensageiro do além homem. Hoje se sabe que o Cristo era estudioso e praticante dos saberes dos Essênios, tribo nômade, que praticava a partilha, a comunidade e o desapego. Essas concepções permeiam a figura de Jesus, como sabemos. O que significa largar tudo e segui-lo? Significa ir além dessa carapaça que achamos ser o todo. Ir além do nome, da propriedade, da mente. Realmente ser! Lembra quando Jesus foi perguntado se era o Rei dos Judeus? Qual foi sua resposta? “Tú o dizes”. Algo semelhante ao que Buda respondeu quando perguntado se tinha atingido a iluminação.
Voltando à política, dá para perceber que não se trata de ser um ou outro candidato ou governante que resolverá essa situação. Ninguém a resolverá, e nesse sentido, muito menos a política. Isso porque, ela caminha no sentido de centralização no homem, no ego e no poder que isso enseja. Então como seria um governo dentro desse contexto de “negação” do homem? Veja, se a pessoa entende que ela não existe como um circulo autosuficiente, se entende, ainda como Raul Seixas, que somos uma metamorfose ambulante, que “hoje eu sou uma estrelaa,manhã se apagou”, que “se hoje eu te odeio e amanhã lhe tenho amor ... que eu sou um ator”, nada mais natural do que caminhar no sentido de uma descentralização. A única coisa que a centralização gera é poder, e o poder não tem outra ação que o caracteriza, o poder é feito para subjugar. Então o que fazer com esse poder que você centraliza em você mesmo, para que não colapse? Voltá-lo contra os demais. Quem acredita mais na política? Ela existe para seu interesse próprio. Todos nós sabemos disso é só olhar de lado e/ou pararmos para pensar um pouco.
Logo, a atitude realmente séria de quem quer se meter com política deve ser: estar nela o mínimo possível. Nesse sentido, descentralizando as ações, as decisões, os benefícios. É nesse sentido que criticamos a atual gestão em Olho D’água do Borges. Veja, isso não é eu que estou dizendo. As denuncias são praticamente diárias e de muitas pessoas, e sobre várias áreas e situações. Mas algo permeia e é comum a todas elas. A prepotência, a intransigência, a centralização e o falta de abertura que existe nesse governo. Como já foi colocado, por várias pessoas inclusive, como é que um governo pode dizer que há cidadania com uma postura dessas? É o que se costuma dizer: é dar um tiro no próprio pé. Todos percebem. Está em tudo o caráter centralizador desta administração, os próprios aliados confirmam, assumem. Talvez colapse internamente, como alguns indícios recentes demonstram, para os mais observadores.

Deixemos a poesia falar:

A OBRA

A obra é o rastro
A relva e o pasto
Pegadas vencidas
Êxtase gasto

Não tem serventia
Na hora do dia
Que nos incendeia
Aquela agonia

Em torno da gente
O que ela constrói
É apenas semente
De espinho que dói

Joga-nos no tempo
E nos apavora
Sendo assombração
Para toda hora

Lembra-nos da gente
Força-nos à guerra
Faz-nos indivíduos
Á face da Terra

Liberte-se disso
Fale de outro jeito
Rompa o universo
De causa e efeito

Você não existe
Já sabe que não
Portanto, não junte
Pegadas do chão

Será que há jeito?
Ser um ente contente?
Sem pensar direto,
Que está indo em frente?

Será o progresso,
Um irmão do medo?
Gritando pra gente,
Que já não é cedo?

Se não fosse assim,
Como é que seria?
E o resto de tempo,
Desse fim de dia?

Autor: Fragmentos de Sendo na Solidão da Tarde ou Aquele a Quem Chamam Francisco Adaécio Dias Lopes

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