Escrever é exorcizar fantasmas. Ou melhor, dialogar com eles. De repente, uma idéia, uma problemática se apossa da gente e a melhor forma de se libertar desse encosto é enfrentá-lo. O que me motivou a escrever estas linhas não foi algo muito novo, nem o que vou falar o é, inclusive. Talvez a novidade seja a descrição de algumas nuances acerca desta problemática.
A questão é antiga e batida: na nossa pratica pedagógica, devemos ser conservadores ou construtivistas? Treinar ou fazer desabrochar inquietações?
Várias são as nuances que comungam para que a educação aconteça como adestramento e treinamento. Vejamos algumas delas. Primeiro vem o fato de que é muito mais fácil fazer o que vem sendo feito desde sempre do que propor algo diferente. Associado a isso, ou como parte deste processo vem o fato de que o capitalismo e seu mercado encorajam a necessidade de se preparar os estudantes para este mundo que ai está, para o dito mercado, instituindo aquilo que Paulo Freire chamou de educação bancária, na qual os aprendizes vão à escola, enchem suas gavetas de palavreados, conceitos e expressões e vão trabalhar. Algo totalmente mecânico. Acima de tudo isso, está o fato de que o ser humano está sempre apegado a certa noção de segurança, tentando sempre encontrar o seu paraíso, o cessar dos conflitos, como se isso fosse alcançado tão facilmente, e por um ato de vontade.
Mas, bancando o advogado do diabo, diríamos: até que ponto se tem direito de propor algo diferente para nossos alunos? Que direito nós temos de jogá-los na correnteza (diriam os mais conservadores)? Vejamos, agindo desta forma conservadora estamos nos colocando como deuses, como entes que deteriam a capacidade e a prerrogativa de decidir pelos outros, nesse caso os alunos. E pior ainda, estamos pressupondo com isso que o aluno é em si refratário ao novo, onde na verdade me parece que essa resistência vem sim é de nós mesmos. No fundo, quase sempre, a batalha a travar é contra nós mesmos.
O fato é que somos ainda muito presos àquela concepção de aluno como tabula rasa, como folha em branco que devemos preencher. Inclusive, acerca disso, lembro-me do que me falou o amigo Newton Lucena outro dia, quando de andada pelas ruas de Natal, sobre o fato de a palavra aluno significar “aquele que não tem luz” (a – negação; luno - luminoso). As palavras realmente são nascentes por onde podemos apanhar os signos do mundo. Essa concepção acerca do aprendente, daquele que está em desenvolvimento, fez com que o professor – este termo inclusive remete àquele que professa, que repete, que doutrina, ao invés de educador, que seria algo mais completo - se transformasse em um profissional, apenas, um assimilador e repetidor de teorias, escravizando-nos nessa tarefa hercúlea de lotar a gaveta, o receptáculo, levar luz a um ser supostamente opaco.
Apesar do relativo pouco tempo que convivo como professor com colegas em escolas, pude perceber nos nossos semblantes a insatisfação com a situação em que estamos metidos, muitas vezes por não desenvolvermos completamente nossas reais questões. Não tenhamos medo meus amigos. Saltemos pra dentro de nós mesmos. O que importa não são os portos, mas a travessia. Devemos exercitar a sabedoria e nessa caminhada nada mais natural e generoso de nossa parte do que ajudar aqueles que estão iniciando a sua travessia, assim como outros nos ajudaram. Eis o que seria uma bela metáfora para a figura e a prática do professor, ou melhor, do educador.
Percebo na maioria dos professores, uma componente muito forte ligada à imaginação, ao sonho, à sensibilidade, sendo este o motivo que talvez os fizeram procurar aquela carreira. Mas acontece que as formatações do sistema educacional o levam a se tornar um treinador de jovens e um repetidor de teorias, e isso faz desaparecer o brilho de seus olhos. Não sei se já ouviram falar, mas os pássaros que não apreendem a voar acabam morrendo de tristeza, de melancolia, digamos. Algo semelhante acomete os professores, inclusive sendo talvez responsável por diversos problemas emocionais relacionados a esta classe.
E o econômico, o mercado, o poder de compra, e o dinheiro, estas neuroses modernas, são obstáculos a transcender – podemos até conviver com elas, mas não podemos deixar que sejam representantes absolutos de nossa natureza, de nossos anseios, pois nos impediriam de alcançar as nossas reais verdades. Lembro nesse instante de uma história transmitida a mim pelo amigo Pablo Capistrano. Por coincidência depois pude ter acesso a esta bela narrativa em livros. O que seria de nós sem os amigos? Sem eles como faríamos o ritual diário? Epicuro que estava certo, um homem precisa de poucos e bons amigos, e de uma vida analisada.
A estória se deu na Grécia Antiga, e se passou, salvo pequenas incongruências, como informo a seguir. Alguns estudantes de filosofia, de tanto ouvirem falar do sábio, do grande Heráclito de Éfeso, decidiram conhecê-lo – este pensador é muito conhecido pelo aforismo em que manifesta o caráter fluido e mutável do mundo, da existência, ao declarar que jamais um homem tomará banho num mesmo rio, pois ambos, passados um segundo que seja, seriam diferentes de outrora. Estes jovens cruzaram grandes distâncias e dificuldades até encontrar a casa daquele velho sábio. Encontrando uma humilde residência tiveram a informação de que ali habitava o eminente Heráclito. Ao observarem aquele senhor velho, tentando acender uma fogueira para se esquecer e talvez cozinhar alguma comida, não se contiveram e exclamaram: “este é o grande Heráclito de Éfeso, considerado o oráculo vivo da Grécia?”. Nesse instante ele olhou para os jovens e balbuciou, do alto de sua grande sabedoria: “Os deuses também habitam esta casa”.
Ritualizemos sempre.
Adaécio Lopes.
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